segunda-feira, janeiro 22, 2007

O Oculto Vagabundo

(pela primeira vez um pequeno conto em vez de uma crónica, espero que seja do v/agrado)

CONTOS

O Oculto Vagabundo

Isolo-me no quarto. Fecho a porta, desligo o telemóvel e ignoro tudo o que se passa para lá da janela. Ainda que só, não consigo sentir-me isolado. Fisicamente cumpro todas as regras com o objectivo de estar só, mas tenho dificuldades em transmitir essa ordem ao meu pensamento, que ainda anda a “vaguear” por todo o lado. Demora mais e requer outro género de trabalho, o de trazer o pensamento para aquele quarto frio, para fazer- me companhia e em conjunto começarmos um trabalho apurado.

Porque existe a necessidade de qualquer pessoa se isolar num quarto? Os motivos podem ser variados, incorporam-se com o género de pessoas que procuram esta passagem secreta, como que de um julgado com os seus objectivos ou necessidades amplamente estipulados. Uns para estudar, outros para pensarem na vida, e ainda outros para estarem no sossego para descansarem.

Romano queria estar isolado, para se concentrar, pois queria fazer algo que muito apreciava e em simultâneo necessitava, escrever.

Gostava muito de escrever. Estranho era que nunca se sentia à vontade para mostrar a alguém aquilo que desde muito novo ia escrevendo. Sentia falta de confiança em si próprio, achava-se um miserável escritor, daqueles que por muito que escrevesse nunca, mas nunca iria nascer dali alguma coisa com o mínimo de condições para alguma vez ser lido. Também tinha outra ideia, fixa, era que aquilo que escrevia era tão intimo, tão intimo, que só tinha razão de ser para ele, por isso era pessoal e não deveria de interessar a mais ninguém, nem tão pouco deveria de ser visto por qualquer outra pessoa.

Romano, nascera numa época difícil, numa família com dificuldades, mas num esforço conjunto dos seus pais, tivera uma infância feliz, onde o essencial não lhe faltara, e assim concluíra os estudos com notas bastante boas.

Havia uma professora que gostava muito dele, tentara influenciá-lo a prolongar os estudos, porque achava que ele tinha potencialidades para tirar um curso superior e assim poder ter uma vida melhor, bem como a ser talvez mais útil a sociedade e dizia-lhe muitas vezes: «Romano, nasceste para ser psicólogo, vejo-te e sinto-o com muita facilidade, nessa área és como peixe dentro de água». Mas, Romano, não dava muita importância as palavras daquela professora amiga.

Romano estava decidido a ir trabalhar. Cedo arranjou namorada e a mesada já não dava para chegar a todos os desejos que iam aparecendo.

Sara, era uma jovem esbelta e inteligente. Os seus olhos verdes, tinham um brilho cativante e o seu sorriso contagiava qualquer um.

Sara, embora não parecesse, era um ano mais velha que Romano. Fizera vinte e um anos, três dias antes de começar o namoro com Romano. Faziam um belo par, daqueles que é bom vê-los juntos, porque se completavam muito bem.

Após alguma procura, Romano iria começar a trabalhar na segunda-feira seguinte. Tinha finalmente encontrado um trabalho. Era o seu primeiro emprego e o que parecia ser à sua medida. Era um trabalho de administrativo numa empresa em crescimento. Romano era minucioso e calmo, enquadrava-se naquele projecto e também estava em crescimento. O seu salário seria baixo. Inicialmente, esperava.

Aquele fim-de-semana, seria o último que teria antes de começar a sua nova vida de trabalhador. Sentia-o aproximar com grande rapidez e também isso deixava-o nervoso.

Romano no quarto conseguiu escrever numa folha de cetim:

- “Entre quatro paredes viajo imenso, adquiro variadas personalidades e crio um império de oportunidades.

Lembro-me que em tempos entrei num quarto de uma casa distante, numa pequena cidade de um pais longínquo.

Sei que por alguns momentos vivi a vida de outro alguém. Num cúmplice anonimato, com a particularidade de não ter tirado nada. Nem ter acrescentado alguma coisa, como que de estranho nada houvesse.

Nem tão pouco sei porque ando de um lado para o outro sem que seja dono de um milésimo de segundo que seja, sem que seja apenas eu. Não tenho qualquer poder, nem fujo de nada. Viajo tão só como tão triste, sem bilhete nem destino.

Empresto-me a um qualquer corpo que tenha nome e usufruo o que existe em seu redor. Sou um anónimo egoísta. Sou um aventureiro vagabundo deste segredo, prisioneiro que desconhece a sua razão.

Desculpa Romano, nem reparaste que por momentos não eras tu próprio.

Desculpa Sara, apreciei-te em qualquer momento mas nunca dir-te-ei o que realmente aconteceu, porque a ausência de respostas é melhor para ambos. Guardarei simplesmente a tua imagem para todo o sempre, é tudo com que posso ficar, definitivamente.

Boa sorte a ambos”.

Abro os olhos lentamente. Vejo uma escuridão ameaçada por uns raios solares que penetram pelas frestas dos estores. Sinto-me isolado. De todas formas, isolado.

Encontro-me naquele quarto frio. Abro a janela, abro a porta e quase que simbolicamente abro algo mais, que chamam vida.

É Domingo.


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